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0 A Criada Zerlina | Opinião


Wook.pt - A Criada ZerlinaNa obra de Hermann Broch, Zerlina não é uma jovem camponesa desperta para os impulsos do corpo, mas uma velha criada, distante já da sua matriz instintual, para quem a estratégia erótica se transformou em estratégia discutiva. Mas o corpo e discurso são ambos modos, embora diferentes, de conhecimento e o exercício de Zerlina consiste justamente na laboriosa tradução do conhecimento instintual em conhecimento intelectual. Entre um e outro, como única mediadora, está a sua linguagem, em cuja rudimentaridade procura a sistematização de valores que assistem à sua conversão de «ser erótico» em «ser ético». Como resíduo desta transformação, emerge o valor axial do seu movimento: a culpa. Não a sua – Zerlina permanece sempre exterior ao mundo que observa e relata – mas a de uma sociedade que a ela se exime, justamente porque aceita assimilar e inscrever corpo e culpa. Sobre elas Zerlina, enquanto «ser ético», passa julgamento e delibera ser guardiã e executora da consequência do sistema de valores que identificou. É a sua exterioridade a esse sistema que a investe da capacidade de ser juiz e seu carrasco. A sua posição, é uma posição extrema, absoluta, como rudimentar e limite é a sua linguagem. Ambas decorrem de um valor maior e primeiro: a intensa transferência das vivências, que na sua intensidade só podem ser inocência.


Autor: Hermann Broch
Editor: Difel (2002)
Género: Romance
Páginas: 72
Original: Die Erzählung der Magd Zerline (1949) 

opinião
★★★☆☆

Sem aviso - e tampouco sem motivo - Zerlina, a criada, começa a contar-nos a história da sua patroa, a baronesa, expondo, sem qualquer escrúpulo, os segredos da família.

Esta acaba por se revelar uma história de desejo, amor e vingança da qual acaba por resultar uma filha ilegítima e na qual Zerlina tem também um papel importante a desempenhar… daí que Zerlina partilhe a narrativa do seu próprio passado, insistindo numa descrição (demasiado) detalhada e algo gráfica da sua vida sexual. A criada conta-nos como lhe mete nojo a relação entre a baronesa e o seu amante, mas demonstra simultaneamente algum azedume por nunca ter tido uma verdadeira chance no amor.

Com apenas 68 páginas, A Criada Zerlina é uma leitura rápida e simples que, embora interessante e agradável, não me impressionou.


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frases preferidas
ISBN: 9789722905817

«o não poder e sempre desejar, o maldito poder onde reside a fraqueza» - 20

«é preciso força para o prazer; por mais baixo que seja o seu preço é preciso a força de um carácter, e os piores são aqueles que, por pura fraqueza ou por pura incapacidade de desejo, querem negar o seu baixo preço. São estes que gostariam que a carne tivesse um preço inacessível, são estes que valem muito pouco… fingidos… hipócritas… esses mentirosos por finura, mentirosos por incapacidade,… Todos eles, aqueles que tentam calar o desejo com todo o chorrilho sentimental porque não o acham suficientemente digno para o espírito, e ainda mais porque não sabem rigorosamente nada do prazer e julgam que o podem atrair e reter com esse chorrilho sentimental.» - 23

«quando o desejo já se foi e se esperneia na cama só por amor, então as coisas já não vão bem.» - 25

«O esquecimento transporta o inesquecível nas suas mãos vazias, e nós somos transportados pelo inesquecível. Nós alimentamos o tempo, alimentamos a morte com tudo o que foi esquecido» - 28

«O inesquecível é um pedaço do futuro, um pedaço do intemporal com que fomos presenteados antecipadamente, que nos transporta e suaviza a nossa queda nas trevas como se fosse um deslizar» - 28

«Os fracos são quase sempre uns calculistas.» - 30

«O pudor é como uma roupa.» - 43

«A nossa responsabilidade, tal como a nossa maldade, é sempre muito maior que nós próprios.» - 64





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