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0 O Vermelho e o Negro | Opinião

Bonito e ambicioso, Julien Sorel está determinado a desprender-se das suas origens humildes camponesas e a fazer algo da sua vida, adotando o código de hipocrisia por que a sua sociedade se rege.
Julien acaba por cometer um crime movido pela paixão, por princípios ou por insanidade, que será o seu fim.
O Vermelho e o Negro é uma imagem vívida e satírica da sociedade da Restauração francesa após Waterloo, carregada de corrupção, ganância e tédio. O retrato complexo e compreensivo de Julien, o explorador frio cuja campanha maquiavélica é enfraquecida pelas suas próprias emoções, torna-o a mais brilhante e mais humana criação de Stendhal, e um dos maiores personagens da literatura europeia.


Autor: Stendhal
Editor: Civilização Editora (Outubro, 2013)
Género: Clássico
Páginas: 480

Opinião
★★★★★ (5/5)
O Vermelho e o Negro é simultaneamente um romance sobre os trágicos amores de Julien Sorel e uma sátira sobre a sociedade em que este se insere.
"É preciso confessar que nasci com um carácter muito vulgar e muito infeliz"

Somos apresentados a esta personagem desde as suas origens provincianas; Verrières é uma cidadezinha odienta, cheia de falsidade e velhacaria, preocupada com o "rendimento". Uma cidade onde, como rapidamente nos apercebemos, Julien não se encaixa; abomina a sua terra, "tudo o que lá via gelava-lhe a imaginação" e, uma vez que "a diferença gera ódio", Julien também não é muito estimado pelos seus conterrâneos, nem mesmo pela família. O pai está muito descontente com Julien, "aquela mania de ler era-lhe odiosa" e ele é objeto de desprezo de todos os da sua casa.

Stendhal evolui de forma muito suave pela narrativa, finda a apresentação introdutória, rapidamente passamos a acompanhar Julien na sua estadia na casa dos Rênal como perceptor dos filhos do Sr. Presidente, um conservador facilmente manipulável e um alvo fácil para a ridicularização que Stendhal lhe pratica. É aqui que Julien vai conhecer o seu primeiro amor na pessoa da Sra. de Rênal. Uma alma cândida, naturalmente tímida e apagada mas cuja honestidade e sentido moral contrasta vivamente com o dos que a rodeiam. Tão habituada à insensibilidade masculina, facilmente se encanta com a delicadeza de Julien, mas apesar do adultério cometido, sofre horrivelmente com isso.

A memória de Julien é extraordinária, o jovem deixa todos encantados e perplexos com a recitação de textos bíblicos que decorou, uma devoção que não é senão hipocrisia da sua parte já que Julien vê na religião, como no amor, uma oportunidade de ganhar dinheiro e estatuto.

As desconfianças do marido da Sra. de Rênal empurram Julien para o seminário onde volta a despoletar admiração e inveja. Mais tarde viajamos com ele para Paris, para a casa do Marquês de La Mole, bem para o meio da alta sociedade que Julien tanto odeia e repudia. É nestas duas etapas que Stendhal mais brilha na sua clara crítica à Igreja Católica pela corrupção que nela prospera, pelo uso do nome de Deus para granjear poder pessoal e posição/influência social, e também na sátira do governo da Restauração, de uma França corrupta e estagnada e de uma aristocracia em queda.

Stendhal mostra-nos como Julien se sentia, ao mesmo tempo, fascinado e enojado em relação aos parisienses... E o mesmo em relação a Mathilde, uma jovem egoísta, aborrecida com a vida, de personalidade dramática e também, podemos dizê-lo, desequilibrada. Esta instabilidade reflete-se na noção que Mathilde tem do amor, tão peculiar quanto mostram as seguintes frases "só pensava na felicidade de ter estado prestes a ser assassinada" e "ele é digno de ser meu amante porque esteve prestes a matar-me". Mathilde anseia pelo arrebatamento, vive deslumbrada pelos heróis do passado, pela componente trágica do amor.


Novamente - vaidoso - Julien deixa-se enternecer pelo afago que Mathilde lhe faz ao ego e acaba por se apaixonar por ela sem, no entanto, ignorar a utilidade que este romance com uma jovem de boa posição pode ter para si. O complexo temperamento de Mathilde obriga-o a manipulá-la para que o ame, tocando onde a jovem é mais sensível, no amor-próprio.

Assim, O Vermelho e o Negro compreende também uma análise ao amor, o seu tipo e origem, tendo presente que a pessoa amada não é para nós sempre o que é no num dado momento, que este amor, ou melhor, a manifestação do mesmo, varia conforme a nossa disposição, as reações alheias e as condições/situações.

Este é um livro fantástico, escrito com grande competência. Percebemos rapidamente porque é Stendhal considerado um influente romancista do século XIX. Neste livro, mantém-se como narrador presente e opinativo, gozando com os seus personagens, patenteando as suas intenções e oferecendo-nos uma impressão mais profunda.
"Toda a sua vida não fora senão uma grande preparação para a desgraça"

Embora descrito como sendo superior aos que o rodeiam, quer a nível físico quer a nível mental, Julien falha redondamente em encontrar o sucesso e depara-se antes com um final trágico para a sua existência. A sua sabedoria é tirada dos livros e experiência prática não tem na verdade nenhuma. Tendo por aspiração secreta a figura de Napoleão, ansiando pela vida militar na qual está certo que triunfaria, o seu destino é, no entanto, sempre decidido por terceiros. Orgulhoso, vaidoso e hipócrita, Julien age muitas vezes pelos motivos errados, sendo depois apanhado de surpresa nas consequências dos seus atos.

Do seu último encontro com o liberal Valenod, personagem na qual Stendhal cunhou vários defeitos, Julien vê o remate da tragédia para a qual caminhou ao longo da vida. Aproveitador, traidor, invejoso, corrupto, Valenod já antes tinha tentado comprometer Julien, quando este vivia com os Rênal.
"Há tudo neste jovem excepto juventude"

Desassossegado por triunfar, Julien passa pela sem se encaixar realmente em algum lado, sem encontrar o seu lugar... exceto na nossa memória; inesquecível, Julien é um personagem marcante pela sua complexidade e ambiguidade.

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