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0 Noites Brancas | Opinião

O romance Noites Brancas foi publicado em 1848. A sua acção, toda ele impregnada de um intimismo delicado, decorre em Sampetersburgo. Na cidade buliçosa e distraída cruzam-se as linhas de duas vidas e de dois destinos. Um encontro fortuito e efémero, que, no entanto, marcará indelevelmente a vida dos dois protagonistas: um jovem de 26 anos, solitário e tímido, que deambula por entre a multidão como um fantasma e se exila no mundo do sonho para fugir ao prosaísmo do quotidiano, e uma rapariga momentaneamente desesperada que procura salvar-se das suas frustrações através do amor. Entre eles se estabelece, durante algumas noites, o fiálogo-confissão, com o estranho compromisso de não ultrapassarem a fronteira da amizade «fraternal».

Mas onde se situa a fronteira entre a amizade e o amor? Ambos acabam por admitir que a transpuseram. Mas quando regressa aquele que para a jovem foi o primeiro amor, despede-se do «amigo», lamentando que eles não possam fundir-se numa única e mesma pessoa, para, como desejaria, podes amar os dois indivisa e simultaneamente. 

Neste romance, em que, de maneira rápida mas penetrante, se analisam os dilemas, as flutuações e as contradições dos sentimentos humanos, se baseou o filme homónimo, conhecido do nosso público. 

Autor: Fiódor Dostoiévski
Editor: Europa-América (2007)
Género: Romance > Literatura Russa
Páginas: 140

opinião
★★★★★ (5 em 5)

« Criei, nos meus sonhos, romances completos » - p. 28

O protagonista deste romance, excessivamente tímido, vive em enorme solidão.
Passeando pela cidade, estuda os transeuntes sem iniciar com estes qualquer tipo de conversa, absorvendo os sentimentos que lhes adivinha, deixando que influenciem o seu humor: sente contentamento com a alegria alheia e apreensão quando lhes repara tristeza. Este tipo de existência é relatada e colocada em perspetiva quando o jovem - cujo nome não nos é revelado - se cruza com Nastenka, uma rapariga que (des)espera por um outro amor, aguardando o seu contato.

Conversando e partilhando confidências, os dois jovens vão descobrindo afinidades entre eles e acabam por se tornar amigos; ela conta-lhe como tem vivido isolada, sob a rígida autoridade da avó, e como acabou por conhecer o homem que aguarda e ele, intitulando-se «um sonhador», revela-lhe como tem deixado que a vida lhe passe ao lado, vivendo perigosamente isolado do mundo, atravessando dias sucessivamente vazios. « Tenho vivido, assim, como se costuma dizer, metido no meu buraco, isto é, só, absolutamente só, perfeitamente só... » - p. 41 Estas interlocuções e a reação de Nastenka permitem-lhe finalmente reconciliar-se consigo próprio e a amizade evolui, inevitavelmente, para amor.

Nastenka representa este jovem um despertar para a realidade. Contudo, ao sonho, manipulável a gosto, faltará sempre a consistência da veracidade… e a sólida realidade, com os seus vários elementos incontroláveis, tende a sabotar as nossas aspirações.

Infelizmente, Nastenka tem que tomar uma decisão. Poderá «contentar-se» com este novo amor, sabendo que se apaixonou enquanto pensava, falava e ansiava por outro homem ou poderá optar pelo amor pelo qual esperou tanto tempo, sonhando e desesperando pelo mesmo. Quando ao nosso sonhador, sabemos que regressa à solidão, desta vez ainda mais desgostosa e tétrica - « e no que poderei depois sonhar quando, acordado, ao seu lado, fui de tal modo feliz » - p. 64

Este é um livro muito bonito, cheio de significado nesta sua atmosfera melancólica que se harmoniza tanto com o ser «um sonhador». A prosa reflete o caráter do protagonista, a sua fragilidade e a leveza com que passa pela vida, e isso é algo com que raramente me cruzo num livro, ainda mais executado com este nível de excelência.


Frases Preferidas
«Caminhava cantando, pois quando estou contente gosto de cantarolar, como qualquer homem feliz que não tenha amigos, nem conhecidos, e que nos seus momentos de felicidade não tem com quem partilhar a sua alegria» - p. 22

«A inteligência só favorece a beleza» - p.26

«Quando o meu coração fala, a minha boca não se sabe calar.» - p. 27



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