Em contraste com esta história de amor e autodestruição, encontramos Konstantin Levin, um homem em busca da felicidade e de um sentido para a sua vida.
Autor: Lev Tolstoi
Editor: Relógio D'Água (2007)
Género: Romance
Páginas: 896
Original: Анна Каренина (1877)
opinião
★★★★★
★★★★★
Eu e Anna começámos muito mal. Enquanto tentava desesperadamente obrigar-me a gostar do livro, fui ficando cada vez mais irritada e frustrada com as inconsistências das personagens da trama. Afinal, que gente é esta (!) que ora parece uma coisa, ora parece outra bem diferente? Que pensa de uma forma, mas está longe de o reflectir nas suas ações? Que tanto nos parecem vítimas como vilões? Foi preciso parar para pensar um bocadinho melhor em cada uma delas e no que as motiva… E tudo ficou muito mais claro.
O “problema” das personagens de Anna Karenina é que são genuínas, são como nós que hoje agimos de uma forma e amanhã de outra completamente diferente. Que pensamos certa forma, mas que não sabemos expressar os nossos sentimentos. Que fazemos jogos, esperando que os outros nos cedam 100% da sua compreensão quando só estamos dispostos a partilhar 50%. Tolstoi fez um magnífico trabalho na construção e desenvolvimento das suas personagens. Estas são multidimensionais, complexas e mutáveis; vemos as marcas do que lhes aconteceu surgirem mais à frente na narrativa. O autor encheu o livro com vários e variados pontos de vista, complementares ou contraditórios, e deixou-nos a tarefa de interpretar a história à nossa maneira, tornando assim Anna Karenina um bocadinho nosso.
Foi uma surpresa para mim, dado o título do livro, encontrar duas narrativas principais que seguem a par e muitas outras personagens e relacionamentos. Esta variedade dá-nos uma ideia muito mais vasta da Rússia daquele tempo, dos seus maneirismos e da corrente de pensamentos da altura. Foi muito fácil aproximar-me de Levin, simpatizar com a sua maneira de ser algo ingénua e filosófica que atravessa algumas crises existenciais; um homem do campo que aprecia o duro trabalho braçal da agricultura e que tem algumas dificuldades em compreender a vida na cidade. Já Anna me deu muito mais trabalho; ouvimos descrever como é linda e observamos como é inteligente, mas não isenta de algumas falhas de carácter.
Anna é infeliz no casamento e quando conhece Vronsky isso torna-se-lhe ainda mais evidente. O carácter sério do esposo, um responsável alto funcionário do governo, contrasta com o seu, muito mais vívido e festivo; mas para a mulher, ao contrário do homem para quem um caso extraconjugal (ou vários…) não trazia consequências de maior, tal situação significava a sua ruína, a perda de posição social, o afastamento dos seus pares, a vergonha e até a perda dos próprios filhos.
Os teus sentimentos pertencem à tua consciência, mas sou obrigado perante ti, mim e Deus a lembrar-te dos teus deveres. As nossas vidas estão ligadas não pelos homens, mas por Deus. Só um crime pode quebrar estes laços e um tal crime exige depois o castigo – 149
Então que decisão tomar? Ficar presa a uma situação infeliz e desgastante com um homem que não ama e jamais virá a amar ou arriscar uma nova vida com alguém que ama verdadeiramente e lhe traz tanta alegria… Com uma decisão, Anna mudará toda a sua vida sem saber se o futuro lhe trará a tão desejada felicidade ou apenas mais dissabores.
Não podemos ser simplesmente amigos, sabe-o bem. A questão está em saber se havemos de ser os mais felizes ou os mais desgraçados deste mundo – 142
Anna toma a decisão romântica, mas em breve fica paranoica com a hipótese de Vronsky a deixar à sua sorte; é que para Vronsky a situação é bem diferente, pode sempre ir à sua vida quando se cansar de Anna e seguir em frente, mas ela está presa a ele, completamente dependente, e quando as suas expectativas saem frustradas assistimos à sua gradual transformação e degradação. É verdade que Anna provoca a sua própria desgraça, mas que outra escolha poderia ter feito?
O livro é inegavelmente longo, mas uma vez ultrapassada a minha dificuldade inicial, a sua leitura não me aborreceu em momento algum. Gostei muito da riqueza que as diferentes perspetivas trazem à narrativa; gostei que a mesma personagem me transmitisse sensações diferentes ao longo do livro; apreciei bastante o pormenor e realismo com que Tolstoi narra as situações, sem nos querer dar uma óbvia noção de moral, deixando-nos tirar as nossas próprias conclusões.
Mas, não podendo encontrar nos sonhos esquecimento mais que para a noite, era preciso, durante o dia, converter a vida nalguma coisa parecida com um sonho – 8
Vivendo numa sociedade em que é necessária uma certa actividade intelectual, as opiniões lhe eram tão indispensáveis como os chapéus – 11
Não compreendia como havia quem se preocupava tanto com a vida futura quando a presente era tão bela – 11
Quando a saúde não falta e a consciência está sossegada, o resto nada vale – 99
Não sabe então que a senhora é a minha vida? Como posso eu proporcionar-lhe a tranquilidade, se a não conheço há muito tempo? Diga-me que me sacrifique inteiramente por si e fá-lo-ei sem hesitar, porque nem como pensamento me posso separar de si. A meus olhos, não somos mais do que uma única pessoa. Não vejo possibilidade alguma de sossego no futuro, nem para mim, nem para si – 142
Não podemos ser simplesmente amigos, sabe-o bem. A questão está em saber se havemos de ser os mais felizes ou os mais desgraçados deste mundo – 142
Mergulhando profundamente de mais nas nossas almas, poderíamos ir aí encontrar qualquer coisa que poderia bem passar despercebida – 149
Os teus sentimentos pertencem à tua consciência, mas sou obrigado perante ti, mim e Deus a lembrar-te dos teus deveres. As nossas vidas estão ligadas não pelos homens, mas por Deus. Só um crime pode quebrar estes laços e um tal crime exige depois o castigo – 149
Todo o progresso se faz à força – 330
Trabalho, esforço-me por conseguir um fim e esqueci-me que de que tudo acaba e que a morte está à espera, junto de mim – 343
-Mas eu nada quero copiar ao comunismo, que nega o direito à propriedade, ao capital, à herança. Estou longe de negar estimulantes tão importantes. Eu só procuro regulariza-los.
- Numa palavra, tu tomas uma ideia que não é tua, tiras-lhe o que lhe dá a força e pretendes fazê-la passar por nova. – 345
Só se ofende um homem honrado ou uma mulher honesta, mas dizer dum ladrão que é um ladrão não é senão a constatação de um facto – 357
Quem quer os fins, quer os meios – 362
Não existe situação nenhuma que não tenha uma saída qualquer – 416
Um homem descontente dificilmente se escapa de lançar as culpas do seu descontentamento sobre alguém – 470
Na infinidade do tempo, da matéria, do espaço, uma célula orgânica forma-se mantém-se um momento e rebenta…essa célula sou eu! – 698
É preciso viver para o ‘bem’. O único conhecimento claro, indibitável, absoluto que possuímos é esse – e não é só pelo raciocínio que aí chegámos -, porque o raciocínio o exclui, porque não tem causa nem efeito. O ‘bem’, se tivesse uma causa, deixaria de ser o bem, como se tivesse uma sanção – uma recompensa – 703
«Bem sei», pensou, «que é a imensidade do espaço e não uma abóbada azul que se estende por cima de mim, mas o meu olhar só percebe essa abóbada arredondada e vê mais claro do que se procurasse para além dela» - 706
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