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0 As raízes do céu


«Houve quem escrevesse, após a publicação deste livro há vinte e quatro anos, que ele era o primeiro romance “ecológico”, o primeiro apelo à salvação da nossa biosfera ameaçada. Mas eu próprio não me dava conta, nessa época, da extensão das destruições que se perpetravam nem da amplitude desse perigo.
Em 1956, estive sentado à mesa de um grande jornalista, Pierre Lazareff. Alguém pronunciou a palavra “ecologia”. Das vinte personalidades presentes, só quatro conheciam o sentido dessa palavra…
[…]
Situei o meu relato no que ainda se chamava então, em 1956, a África Equatorial Francesa, porque aí tinha vivido e porque também não tinha esquecido que esse território fora o primeiro a responder outrora a um apelo célebre contra a abdicação e o desespero, e a recusa do meu herói de se submeter à enfermidade de ser homem e à dura lei a que estamos sujeitos juntava-se assim no meu espírito a outras horas lendárias…
[…]
Quanto ao problema mais geral, universal, da proteção da natureza, esse não tem, bem entendido, nenhum carácter especificamente africano: é em vão que gritamos como desalmados. Leva a pensar que os direitos humanos são eles também sobreviventes incómodos de uma época geológica passada: a do humanismo. Os elefantes do meu romance não são pois alegóricos de todo: são de carne e osso, exatamente como os direitos do homem…» Romain Gary, Prefácio à edição de 1980

Extraordinário e premonitório livro este, o do primeiro Prémio Goncourt de Romain Gary. Só a arte, neste caso a literatura, pode ver assim longe, longe, a perder de vista. Há uma fronteira, entre o humano e o inumano, que não pode ser ultrapassada, diz Gary. E, contra a escravidão imposta em nome de religiões, nacionalismos ou interesses económicos, ergue um livro. Em nome do homem.


Autor: Romain Gary
Editor: Sextante Editora (Fevereiro, 2015)
Género: Romance
Páginas: 472
Original: Les Racines du ciel (1956) [Goodreads]


✏ Romain Gary nasceu em 1914 em Vilnius, na Lituânia (então Polónia). Judeu de origem russa, emigra com a sua mãe para Nice em 1928. Em 1940 junta-se ao general de Gaulle e às forças livres francesas em Londres e combate como navegador da esquadrilha «Lorraine» até ao final da guerra. Ferido, recebe a condecoração suprema dos combatentes franceses, Compagnon de la Libération e será um dos poucos sobreviventes dos duzentos homens da esquadrilha. O êxito dos seus primeiros romances, Educação europeia e As raízes do céu (Prémio Goncourt 1956) tornam-no imediatamente um escritor famoso em todo o mundo. Ocupa vários postos diplomáticos na Europa e nos EUA. Em 1975, escrevendo sob o pseudónimo Émile Ajar, ganha de novo o Prémio Goncourt (caso «impossível» na história do prémio) com Uma vida à sua frente, editado pela Sextante em 2011. Em 2014, a Sextante publicou Educação europeia e em 2015 As raízes do céu. Gary suicida-se em 1980, pouco mais de um ano depois do suicídio da sua ex-mulher Jean Seberg. Deixa nesse momento escrito um pequeno opúsculo intitulado Vida e morte de Émile Ajar, texto extraordinário onde revela a «mistificação» Ajar e explica o gesto suicida: «Escrevo estas linhas num momento em que o mundo, tal como gira neste último quarto de século, coloca a um escritor, cada vez com mais evidência, uma questão mortal para todas as formas de expressão artística: a da futilidade. Do que a literatura acreditou e quis ser durante tanto tempo – contribuição para o desenvolvimento do homem e o seu progresso – não resta nem sequer a ilusão lírica.» E termina assim: «Diverti-me muito. Adeus e obrigado.»


Uma vida à sua frente - Sextante Editora,Lda 2010  Educação Europeia - Sextante Editora 2014 As raízes do céu - Sextante Editora 2015



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