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0 O Processo + Opinião

Um belo dia, Joseph K., um bem sucedido gerente bancário, é subitamente preso no seu próprio quarto, sem saber porquê nem por quem. Vê-se então envolvido num labiríntico e absurdo processo que decorre secretamente algures nas secretarias instaladas nos sótãos e é conduzido por juízes menores, que têm a mera incumbência de o inquirir. Concebido em 1914 (na sequência do doloroso rompimento do noivado com Felice Bauer), de uma forma fragmentária, com capítulos completos e outros por completar, passíveis de serem facilmente deslocados dentro de uma estrutura circular, o romance O Processo que é em si também um fragmento constitui para Kafka a forma ideal para expressar a fragmentação do mundo e da realidade em que vive o homem moderno. Nesta perspectiva, O Processo representa um marco na história do romance moderno.

Autor: Franz Kafka
Editor: Assírio e Alvim (2006)
Género: Romance
Páginas: 320

Opinião:

Uma obra de arte tem sempre várias interpretações…
Começo por citar Fernando Namora em Jornal Sem Data: «Entra-se em certos livros e em certos escritores como numa casa familiar.» Para mim, e para o bem ou mal que isso possa implicar, um desses escritores é Kafka.

Em O Processo, Josef K. vê-se constituído arguido num processo, sem qualquer indicação prévia e sem que alguma informação ou explicação seja facultada… a ele ou a nós…
Este processo, o enorme e maldito Processo, torna-se tudo. É omnipresente - está em todos os lados, em todas as personagens. Enigmático. Infinito. E a verdade que esconde é inatingível… Assim, Kafka suga-nos para uma insana espiral descendente, fazendo desfilar através das suas palavras dualidades obscuras e transcendentes, sentidos duplos e enigmáticos onde o absurdo se torna perfeitamente normal e verosímil, a tragédia é abordada com ligeireza e humor, a angústia que deveria derivar da preocupação é anulada ao início.
O escritor apresenta-nos apenas os aspectos exteriores do processo; o Tribunal surge como uma organização de dimensões extremamente complexas e o Julgamento alonga-se o suficiente para que o arguido se abstraia e anule do mundo, seguindo por um caminho ilusório. O resto cabe-nos a nós interpretar.
A interpretação pode ser subjectiva e pessoal: crítica política? Crítica à burocracia do sistema? Crítica social? Alegoria religiosa?... Mas a coacção ao pensamento próprio é intransponível. Eu, sem ignorar tudo o resto, gosto de me focar na alegoria e simbologia religiosa, especialmente patente no capítulo «A Catedral».

O final, se é que ele poderá existir para este livro, é absolutamente arrepiante, permitindo-nos atribuir uma variedade de sentidos e identidades ao Processo e ao Juiz, colocando tudo em apreciação retrospectiva. «Onde estava o juiz que ele nunca vira? Onde estava o alto tribunal a que nunca chegara?» «Devo desaparecer como um homem estúpido? Deve-se poder dizer de mim que eu, no princípio do processo, queria terminá-lo e, no fim, iniciá-lo de novo?»

A forma como escritor e obra se interligam aproxima-me imenso de ambos e, assim, termino como comecei, com Fernando Namora: «E sempre que a ela voltamos, eis que as portas se abrem de par em par, repetindo-se a sensação de um espaço acolhedor de que somos privilegiados locatários.»

...Claro, hei-de regressar a Kafka.

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«(…) muitas vezes é melhor estar-se acorrentado do que ser-se livre.» 
«(…) ele admite não conhecer a lei e afirma ao mesmo tempo ser inocente.» 
«A nossa autoridade (…) não procura a culpa na população, mas sim, como diz a lei, é atraída pela culpa (…)» 
«Sobretudo, o homem livre é superior ao homem comprometido.» 
«Deve-se tentar conhecer os meios do poder.»

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