0 2084. O Fim do Mundo | Opinião
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A globalização vai conduzir o Islamismo ao poder, por todo o mundo, dentro de 50 anos, a começar pela Europa - é a previsão do escritor argelino Boualem Sansal, em 2084, um romance-fábula, aterrador, inspirado em 1984, de George Orwell, sobre o estabelecimento de uma ditadura religiosa.
Segundo Sansal - Grande Prémio da Francofonia da Academia Francesa, em 2013 -, os três totalitarismos imaginados por Orwell coincidiram na globalização financeira de hoje, que vai a breve prazo ser tomada pelo Islamismo. É a primeira vez que afirmações desta dimensão são proferidas por um autor de educação muçulmana, que vive na Argélia. O Abistão, imenso império, deriva do nome do profeta Abi, «representante» e «delegado» de Yölah, na Terra. O seu sistema de vida baseia-se na amnésia - e na submissão a um deus único, cruel e todo-poderoso. Qualquer pensamento pessoal é banido; um sistema de vigilância omnipresente permite às autoridades conhecer as ideias e os «atos desviantes».
Oficialmente, o povo vive na maior das felicidades, proporcionada por uma fé religiosa inquestionável. A personagem central, Ati, questiona as certezas impostas pelos dirigentes políticos e imãs, lançando-se, então, numa investigação para descobrir um povo suspeito, renegado, que vive em guetos desconhecidos, ao arrepio do poder das autoridades religiosas.
Boualem Sansal constrói uma distopia violenta e macabra, que se filia diretamente em George Orwell e no seu 1984, para abordar o poder, o alcance e a hipocrisia do radicalismo religioso muçulmano que ameaça as nossas democracias.
Autor: Boualem Sansal
Editor: Quetzal Editores (Maio, 2016)
Género: Romance
Páginas: 280
Original: 2084. La fin du monde (2015)
Prémio da Academia Francesa.
opinião
★★☆☆☆
Estranhamente, apesar
da importância da mensagem que "2084. O Fim do Mundo" transmite e das
belíssimas e profundas reflexões que o constituem, para mim, o resultado final
não foi uma história interessante de se ler.
No Abistão, tudo é bem controlado e filtrado; nada pode
ocorrer fora da vontade do Aparelho. As guerras são recorrentes, espontâneas e
misteriosas. O inimigo está por todo o lado. As restrições são asfixiantes. A
ignorância é geral e até o idioma foi depauperado para controlar e
limitar o pensamento do povo - um povo que cada vez acredita mais cegamente. Depois de dois anos afastado a viver no
sanatório, Ati tenta a reinsereção na sociedade e acaba por fazer uma
descoberta que poderá desmoronar os fundamentos simbólicos do Abistão.
É neste ambiente
distópico que Sansal se debruça sobre a ameaça que o radicalismo religioso representa
para a democracia; como este fanatismo transforma a religião numa intolerância bem
controlada, mantida pelo terror omnipresente.
Apesar de valorizar
sempre um livro que me deixa a pensar, fiquei ligeiramente desiludida com 2084
devido à construção do livro: com um ritmo por vezes dolorosamente lento e
pouca ação, o excelente conceito que Sansal pretende desenvolver é interpretado
por personagens ocas e de um modo que resulta numa perceção algo abstrata que
impede que o livro tenha o impacto que poderia ter.
frases preferidas:
O olhar dos povos é
assim, remansoso e realmente pouco imaginativo. - 19
Quem acredita tem medo
e quem tem medo acredita cegamente, que melhores instrumentos do que a
esperança e o fantástico para amarrar os povos às suas crenças? - 26
A submissão gera a
revolta, e a revolta resolve-se na submissão - 49
Foi em todos instalado
um espírito bizarro e retorcido que pensa a vida, a paz, a verdade, a
fraternidade, a doce e tranquilizadora perenidade, ornamentando-as de todas as
virtudes, mas que só as busca - e com que paixão - através da morte, da
destruição, da mentira, da malícia, do jugo, da perversão, da agressão brutal e
injusta - 49
Quanto mais se diminui
os homens, mais estes se imaginam grandes e fortes - 50
Correr em direção à
queda é uma inclinação muito humana - 55
A espera é fonte de
angústia e de interrogações - 56
Isto quer dizer que
onde quer que ponhamos os pés neste país, caminhamos sobre cadáveres - 59
A liberdade residia
nisso, na perceção de que não somos livres mas possuímos o poder de nos bater
até à morte por sê-lo - 46
Na presença de lobos é
preciso uivar ou fazer de conta que se uiva, balir é a última coisa a fazer -
91
Uma dor que tem nome é
uma dor suportável, a própria morte pode ser vista como um remédio se soubermos
identificar correctamente as coisas - 130
A esperança é assim,
contraria o princípio da realidade - 130
O hábito suprime o que
nos atormenta - 159
A vida é uma
interrogação, nunca uma resposta - 160
A liberdade é um
caminho de morte neste mundo, ela magoa, perturba, profana - 192
A ingenuidade, como a
burrice, são um estado sempiterno - 231
Morrer na esperança de
uma nova vida era pelo menos mais digno que viver desesperado de se ser morrer
- 245
A religião é realmente
o remédio que mata - 245
Os homens são cordeiros
adormecidos e assim devem permanecer, não se deve perturbá-los… ora eis que no
deserto estéril que é o Abistão se descobre uma pequena raiz de liberdade que
cresce na cabeça febril de um tísico sem forças, resistindo ao frio, à solidão,
ao medo abissal dos cumes, e que em pouco tempo inventa mil perguntas ímpias -
191
Que fazer quando, ao
olhar para o passado, se vê o perigo a lançar-se sobre aqueles que nos
precederam na História? Como avisá-los? Como dizer pelo menos aos seus próprios
contemporâneos que, à velocidade a que vão, os males de ontem os atingirão bem
depressa? Como convencê-los quando a sua religião os proíbe de acreditar na sua
própria morte, quando estão convencidos de que o seu lugar no paraíso está
reservado e espera por eles como os aposentos de um palácio? - 249
Boualem Sansal nasceu em 1949, na Argélia. É formado em Engenharia e doutorado em Economia. Os seus livros têm sido aclamados no espaço francófono, mas também um pouco por todo o mundo. Sansal foi agraciado com os seguintes prémios literários, entre outros: Prémio do Primeiro Romance; Prémio Michel Dard; Prémio RTL-Lire; Prémio da Francofonia; Prémio Louis-Guilloux; Prémio da Paz dos Livreiros Alemães - Feira de Frankfurt; Prémio Édouard-Glissant; Grande Prémio do Romance Árabe; Grande Prémio do Romance da Société des Gens de Lettres; Grande Prémio da Francofonia da Academia Francesa; Grande Prémio do Romance da Renaissance Française.
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