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«Alegrava-me a expectativa de envelhecermos juntos. Tu e eu, a envelhecermos e a morremos juntos.» «Douglas, porque havia alguém no seu juízo perfeito de se alegrar com tal coisa?» 

  Douglas Petersen compreende a necessidade da sua mulher de se «redescobrir a si própria» agora que o filho vai sair de casa. Estava apenas convencido era de que se iriam redescobrir juntos. Por isso, quando Connie anuncia que também se vai embora, ele resolve transformar as últimas férias em família na viagem das suas vidas: uma viagem que irá reaproximar os três e conquistar o respeito do filho.
  Uma viagem que irá fazer com que Connie volte a apaixonar-se por ele. As reservas estão feitas, os bilhetes comprados e o itinerário planeado com uma precisão cirúrgica. O que poderá correr mal?

Autor: David Nicholls
Editor: Jacarandá Editora (Novembro, 2014)
Género: Romance
Páginas: 416
Original: Us (2014) [Goodreads] [Wook]


opinião
êêêêê (5/5)
Já tinha imensas saudades de ler David Nicholls! A forma extraordinária com que mistura comédia com tragédia, hilaridade com tristeza, transforma os seus trabalhos em algo excepcional; são livros em redor dos quais crio um enorme entusiasmo e aos quais me agarro com alguma ferocidade até os terminar. 

Apesar de a esposa, Connie, o avisar de que o divórcio é o futuro mais provável para ambos, Douglas continua a ver a Grand Tour pela Europa - a última viagem em família - como uma excelente oportunidade para levar Connie a mudar de ideias e para se aproximar mais do seu filho, Albie. Afinal de contas, são férias em família, o que poderia correr mal, certo?! Bem...tudo.

Nós está particularmente bem estruturado; normalmente, em livros que oscilam entre dois períodos temporais distintos há sempre um que me agrada mais e ao qual estou sempre desejosa de regressar, mas este não é o caso em Nós porque o que me interessa realmente é a extraordinária voz do narrador - Douglas. De forma simples mas inteligente, Douglas cativa-nos com os seus relatos e, embora o enredo não seja de uma originalidade colossal, prende-nos com considerável intensidade. 

Acompanhamos os Petersen por Inglaterra, França, Itália e Espanha à medidaA dinâmica familiar é explorada de forma muito competente, porque em família é assim mesmo, acabamos muitas vezes por reverbar as emoções dos nossos entes mais próximos. Acabamos por os ir conhecendo melhor, com várias e interessantes referências artísticas pelo meio. A habilidade de Nicholls fica mais do que comprovada quando, ao fazer uso de apenas uma personagem, nos consegue transmitir os sentimentos e desapontamentos das outras.

Talvez devido ao ponto de vista mais maduro e familiar, prefiro este livro a Um Dia e a Uma Questão de Atracção. É-me mais fácil identificar com estas personagens, com os seus problemas, com o tipo de relação que mantêm - pareceram-me bem mais realistas que as outras. Gostei muito de Douglas, com o seu feitio e manias particulares; embora tenha torcido por ele o livro todo, compreendo Connie e Albie e o efeito corrosivo que este bota de elástico poderia ter em pessoas de espírito livre, despreocupado e criativo.

Douglas pinta-nos um retrato espectacular - e divertido - sobre namoro, casamento e paternidade. A sua determinação é enternecedora, mas parece que quanto mais tenta, mais piora a situação; quanto mais se esforça por unir a família, mais a separa. 

Existe, no entanto, imensa sabedoria no meio de toda esta loucura. Os Petersen exemplificam a família actual, marcada pelos problemas de comunicação entre pais e filhos e um ritmo de vida que nos impede de dar atenção àqueles que realmente importam. Ao rever connosco o seu passado, Douglas reconsidera algumas das suas acções e pondera sobre as suas atitudes. 

Há um indício que me deixa saber - se dúvida houvesse - se estou realmente a gostar de um livro além do normal: quando, bastante despropositadamente e em qualquer altura, o livro me surge em conversas do dia a dia, do género «estou agora a ler um livro em que...», «no livro em que estou a ler agora...», ou algo mais directo como «tens (!) mesmo (!) que ler (!) este livro (!!!)». E ficou bem claro para todos os que se aproximaram de mim nesta semana que passou que os Petersen não me saíram da ideia!

Nós é mais um livro fantástico de Nicholls - e eu só espero não ter que esperar tanto tempo pelo próximo!

Frases Preferidas:
'«Só» é uma palavra perturbante, não se deve atirar ao ar com ligeireza. Deixa as pessoas pouco à vontade, por força de evocar toda a espécie de adjectivos mais adversos, como «triste» ou «estranho».' (p. 20)

'(…) talvez o desgosto seja tanto lástima por aquilo que nunca tivemos como entristecimento por aquilo que perdemos.' (p. 203)

'(…) os dias verdadeiramente felizes não tendem a envolver tanta organização, e raramente são tão públicos ou dispendiosos. Os dias felizes chegam à socapa, inesperados.' (p. 236)

'De um ponto de vista evolucionista, a maioria das emoções - medo, desejo, raiva - serve alguma finalidade prática, mas a nostalgia é uma coisa inútil, fútil, porque é um anseio por alguma coisa que foi definitivamente perdida' (p. 408)



✏ David Nicholls nasceu em 1966 em Eastleigh, Hampshire. Estudou teatro antes de se dedicar a escrita. De entre os seus êxitos televisivos destacam-se a terceira série de Cold Feet, Rescue Me e I Saw You, bem como uma muito elogiada versão moderna de Much Ado About Nothing e uma adaptacao de Tess of the D’Ubervilles, ambas para a BBC. Para além de romances, David Nicholls escreve guiões para cinema e televisão, e já foi duas vezes nomeado para os prémios BAFTA. O seu primeiro romance e best-seller, Uma Questão de Escolha, foi seleccionado para o Richard and Judy Book Club em 2004 e adaptado para o cinema em 2006 (em Portugal com o nome Concurso Viciado). O argumento do filme foi escrito pelo próprio David Nicholls e a personagem principal foi interpretada por James McAvoy.





Nós - Jacarandá Editora 2014   Uma Questão de Atração - Livraria Civilização Editora 2011  Um Dia - Livraria Civilização Editora 2010



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