0 O Pintassilgo + Opinião
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5 estrelas,
Donna Tartt
Theo Decker, um adolescente de 13 anos, vive em Nova Iorque com a mãe com quem partilha uma relação muito próxima e que é a figura parental única, após a separação dos pais pouco antes do trágico acontecimento que dá início a este romance.
Theo sobrevive inexplicavelmente ao acidente em que a mãe morre, no dia em que visitavam o Metropolitan Museum. Abandonado pelo pai, Theo é levado para casa da família de um amigo rico. Mas Theo tem dificuldade em se adaptar à sua nova vida em Park Avenue, e sente a falta da mãe como uma dor intolerável. É neste contexto que uma pequena e misteriosa pintura que ela lhe tinha revelado no dia em que morreu se vai impondo a Theo como uma obsessão. E será essa pintura que finalmente, já adulto, o conduzirá a entrar no submundo do crime.
O Pintassilgo é um livro poderoso sobre amor e perda, sobrevivência e capacidade de nos reinventarmos, uma brilhante odisseia através da América dos nossos dias, onde o suspense e a arte são dois elementos decisivos para agarrar o leitor.
Autor: Donna Tartt
Editor: Editorial Presença (Setembro, 2014)
Género: Romance
Páginas: 896
Original: The Goldfinch (2013) [Goodreads] [Wook]
opinião
My rating: 5 of 5 stars
★★★★★
De entre os livros editados este ano em Portugal, O Pintassilgo é, muito provavelmente, o meu preferido.
É verdade que esperava uma prosa mais elaborada e complexa e acabei por ficar surpreendida com a simplicidade da escrita de Donna Tartt, mas não sou avessa a alguma simplificação num livro de quase 900 páginas (!)… Além disso, Tartt enriqueceu a narrativa com frases ocasionais lindíssimas que, desta forma, exsudam ainda mais significado.
O inesquecível Theo, cujo sentimento de trauma e perda impregna o livro de uma fragrância sofrida, juntamente com um conjunto de personagens fabulosamente caracterizadas, evidencia o poder da casualidade no rumo de uma vida. Do simples ao complexo, Donna Tartt escreveu de forma bastante convincente sobre diversos temas, experiências e filosofias. O detalhe e vivacidade aplicados às descrições tornam a leitura muito estimulante, transportando-nos para os diferentes cenários e aproximando-nos de Theo de tal forma que me senti realmente indisposta sempre que a sua segurança era colocada em perigo.
Acabamos por conhecer melhor Theo do que qualquer um que o rodeia. Vemo-lo crescer, forçado a mudar, a adaptar-se, a criar ligações para toda a vida; como não passa de um inocente, apesar de toda a delinquência e fanfarronice. Comovemo-nos com a forma como estima a recordação da mãe, como lhe dói a sua ausência, e como, apesar de ter conhecido o amor, acaba por se conformar com negligência e maus tratos. Acompanhamo-lo na compreensão do mundo e dos diferentes tipos de pessoas que o habitam, no entendimento de que o bem pode advir do mal e o mal do bem, porque nada é linear.
Um livro deste tamanho leva-nos eventualmente a ponderar se desejamos mesmo investir nele tanto tempo mas, como disse, a simplicidade da escrita permite que a leitura avance com ligeireza e - sem negar que existem partes mortas em que gostaria de ver os acontecimentos desenvolverem mais rapidamente - não há perda de interesse pela narrativa. Pelo contrário, entre cenas de acção e reflexões filosóficas, damos por nós completamente presos às memórias de Theo.
«De William Blake a Lady Gaga, de Rousseau ao poeta persa Rumi, a Tosca, a Mister Rogers, é uma mensagem curiosamente uniforme, aceite de cima a baixo: quando em dúvida, o que fazer? Como sabemos o que é correto para nós? Todos os psiquiatras, todos os orientadores vocacionais e todas as princesas da Disney sabem a resposta: «Sê tu mesmo/a.» «Segue o teu coração.» Só que aqui está o que eu realmente gostava mesmo que alguém me explicasse. E se por acaso se tiver um coração em que não se pode confiar?»
Frases preferidas:
«É capaz de te surpreender, Theo, que coisas pequenas, de todos os dias, possam tirar-nos do desespero. Mas ninguém o pode fazer por ti. És tu que tens que estar atento à porta aberta.» (p. 195)
«Por vezes, a única coisa que se pode fazer é não ser apanhado.» (p. 637)
«Afasta-te das pessoas que amas demasiado. São essas que te vão matar.» (p. 690)
«(...) e o meu amor por ela era realmente assim tão puro, tão simples e constante como a Lua.» (p. 718)
«As grandes pinturas... as pessoas acorrem a vê-las, elas atraem multidões, são constantemente reproduzidas em canecas de café e tapetes para o rato do computador e tudo e mais alguma coisa. (...) se uma pintura realmente se nos entranha no coração e muda a maneira como vemos e pensamos e sentimos, não dizemos para connosco: «Oh, adoro esta pintura porque é universal.» «Adoro esta pintura porque diz algo a toda a humanidade.» Não é essa a razão por que quem quer se seja adora uma peça de arte. É um murmúrio secreto de um beco. Pst, tu aí. Ei, miúdo. Sim, tu. (...) Um choque no coração individual. (...) Tu vês uma pintura, eu vejo outra, o livro de arte põe-na a mais distância ainda, a senhora a comprar o postal na loja do museu vê outra coisa completamente diferente, e isto sem sequer mencionar as pessoas separadas de nós pelo tempo, quatrocentos anos antes de nós, quatrocentos anos depois de desaparecermos, não vai nunca provocar a mesma impressão a toda a gente, e à grande maioria das pessoas nunca impressionará de uma maneira profunda. Uma grande pintura é suficientemente fluida para se entranhar na mente e no coração de todo o tipo de ângulos diferentes, de formas que são únicas e muito peculiares. Teu, teu. Fui pintado para ti.» (p. 878)
«Porque é que eu sou como sou? porque é que me importo com todas as coisas erradas e não me importo nada com as coisas certas? (...) como é que eu consigo ver tão claramente que tudo o que amo ou que me interessa é ilusório e no entanto - para mim, pelo menos - tudo aquilo por que vale a pena viver reside nesse encanto? (p. 881)
«Não escolhemos o nosso coração. Não podemos obrigar-nos a querer o que é bom para nós ou o que é bom para as outras pessoas. Não escolhemos a pessoa que somos.» (p. 881)
«Um eu que não se quer. Um coração que não se controla.» (p. 882)
«Dor, inseparável da alegria.» (p. 888)
«Porque não me interessa o que digam ou quão frequentemente ou persuasivamente o digam: ninguém poderá alguma vez convencer-me de que a vida é um brinde maravilhoso, recompensador. Porque a verdade é esta: a vida é catástrofe. O facto básico da existência - de andarmos por aqui a tentar alimentar-nos e encontrar amigos e todas as outras coisas que fazemos - é a catástrofe. Esqueçam todo este ridículo e tonto sentimentalismo do que toda a gente diz: o milagre de um recém-nascido, a alegria de uma só flor a desabrochar, Vida, És demasiado Maravilhosa para Te Compreendermos, etc. Para mim - e persistirei em repeti-lo até morrer, até cair de borco sobre o meu mal-agradecido rosto niilista e estar demasiado fraco para o dizer: melhor nunca ter nascido do que nascer nesta cloaca. Abismo de camas de hospital, caixões e corações partidos. Sem libertação, sem apelo, sem «transformações», sem caminho para a frente a não ser a idade e a perda, e sem saída a não ser a morte.» (p.888/889)
«E assim como a música é o espaço entre as notas, assim como as estrelas são belas por causa do espaço entre elas, assim como o sol incide em gotas de chuva de um certo ângulo e lança um prisma de cores pelo céu - assim também o espaço em que eu existo e quero continuar a existir, e, para ser franco, em que espero morrer, é exatamente esta distância média: onde o desespero atingiu uma pura alteridade e criou algo sublime.» (p. 892)
«Que a vida - para além do mais que possa ser - é curta. Que o destino é cruel e talvez não aleatório. Que a Natureza (ou seja, a Morte) ganha sempre, mas isso não quer dizer que tenhamos de lhe baixar a cabeça e a bajular. Que, mesmo que talvez nem sempre nos sintamos contentes por estarmos aqui, a nossa tarefa é mergulhar, de qualquer maneira: passar a vau por ela, pela cloaca, com os olhos e o coração abertos. E no meio do nosso processo de morte, enquanto nos erguemos do orgânico e voltamos a afundar-nos ignominiosamente no orgânico, é uma glória e um privilégio amar aquilo que a Morte não toca.» (p. 893)
✏ Filha de Don e Taylor Tartt, Donna nasceu a 23 de Dezembro de 1963 em Greenwood, Mississippi mas foi criada em Grenada, Mississippi, Estados Unidos da América. De ascendência italiana, é autora de romances, ensaios e também crítica literária. Iniciou os seus estudos universitários na Universidade do Mississippi em 1981, transferindo-se posteriormente para a Universidade de Bennington em 1982, onde veio a concluir a sua formatura em 1986. Foi neste estabelecimento de ensino que conheceu o escritor Bret Easton Ellis, seu colega de Universidade. Tartt iniciou o seu primeiro romance A História Secreta durante o seu segundo ano em Bennington. Foi Ellis que recomendou o seu trabalho a uma bem conhecida agente literária, Amanda Urban, que preparou o caminho para o êxito do romance. Foi publicado em 1992 com enorme sucesso, chegando a ultrapassar 75.000 exemplares na primeira edição, tornando-se assim um bestseller. O Pintassilgo é o seu terceiro romance e foi galardoado com o Prémio Pulitzer de Ficção e com a Andrew Carnegie Medal for Excellence in Fiction. Em 2014, Donna Tartt foi considerada uma das 100 pessoas mais influentes pela revista Time.
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