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0 As Velas Ardem Até ao Fim + Opinião

  Um pequeno castelo de caça na Hungria, onde outrora se celebravam elegantes saraus e cujos salões decorados ao estilo francês se enchiam da música de Chopin, mudou radicalmente de aspecto. 
  O esplendor de então já não existe, tudo anuncia o final de uma época. Dois homens, amigos inseparáveis na juventude, sentam-se a jantar depois de quarenta anos sem se verem. Um, passou muito tempo no Extremo Oriente, o outro, ao contrário, permaneceu na sua propriedade. Mas ambos viveram à espera deste momento, pois entre eles interpõe-se um segredo de uma força singular...

Autor: Sándor Márai
Editor: Dom Quixote (2001)
Género: Romance
Páginas: 160
Original: A gyertyák csonkig égnek (1942)

opinião
As Velas Ardem Até ao Fim by Sándor Márai
My rating: 5 of 5 stars

'As Velas Ardem Até ao Fim' é um livro incomparável. Relembrou-me a magia dos livros, a magia de encontrar um inesperado tesouro literário cujos fragmentos permanecerão comigo muito depois de terminada a leitura.

Sándor Márai disserta com alguma nostalgia sobre tópicos que já nos passaram pela cabeça mas que temos dificuldade em concretizar e verbalizar. Aqui, cada frase parece significativa, cada ideia é apresentada e desenvolvida de forma perfeita.

Posso apenas calcular por alto o grau de maturidade, a experiência de vida e a sabedoria necessárias para escrever desta forma, sobre estes temas. Tempo será com certeza um factor muito importante para chegar a estas formidáveis resoluções sobre a vida, a estas linhas de raciocínio que tão habilmente distinguem o que realmente importa daquilo que, no final, não tem interesse algum.

Invejo este tipo de lucidez intelectual. Esta perspicácia mental. Não concordo com tudo, claro, mas um bom argumento consegue levar-nos a compreender e a respeitar esse ponto de vista sem a obrigatoriedade de concordar. Consegui facilmente rever-me em algumas partes deste livro e certamente compreender o narrador.

Este é um livro sobre a amizade, sobre o amor, a inveja, o desejo, a confiança, a vingança, a traição, a ilusão...Sobre a vida. É um livro que dá vontade de partilhar, em cujas noções gostaríamos de impregnar os que nos são próximos e, para mim, faz agora parte dos meus livros preferidos.

Não consigo, obviamente, descrevê-lo como merece, mas posso dizer que lê-lo é uma experiência magnífica.


Frases Preferidas
'Depois dos noventa as pessoas já não envelhecem como depois dos cinquenta ou sessenta. Envelhecem sem ressentimento. (…) as matérias muito nobres envelhecem assim, como as sedas de centenas de anos em que uma família teceu toda a sua habilidade manual e os seus sonhos.'
'Uma pessoa prepara-se para alguma coisa durante a vida inteira. Primeiro, sente-se ofendido. Depois quer vingança. A seguir, fica à espera.' 
'Tudo perdura no tempo, mas torna-se tão pálido como aquelas fotografias muito antigas que ainda foram fixadas em chapas metálicas. A luz e o tempo retiram das chapas as tonalidades nítidas e características dos traços. É preciso rodar a fotografia e encontrar uma certa refracção da luz para podermos reconhecer na obscura chapa metálica a pessoa cujas feições foram absorvidas na placa. Deste modo se desvanecem no tempo todas as lembranças humanas. Mas um dia, a luz cai dum lado qualquer e tornamos a ver um rosto.'
'A juventude está sempre à espera do sacrifício da parte daqueles a quem entrega a sua esperança.'
'Mas é pior quando uma pessoa reprime essas emoções que foram acumuladas na alma pela solidão. Não corre para lado nenhum. Não mata ninguém. Que é que faz? Vive, espera, mantém a ordem. (…) Essa pessoa que entregou a sua alma e o seu destino à solidão, não tem fé. Apenas espera.'
 'Uma pessoa recorda-se do início mais intensa e precisamente quando o fim se aproxima.'
'Sabes, li muito - diz como quem se justifica.' 
'A amizade, pensava eu (…) é a relação humana mais nobre que pode haver entre os seres vivos humanos. (…) Entre pessoas vi menos exemplos. Para ser mais exacto, não vi nenhum. As simpatias que i nascer entre pessoas diante dos meus olhos, acabaram sempre por se afogar nos pântanos do egoísmo e da vaidade. A camaradagem, o companheirismo, às vezes, parecem amizade. Os interesses comuns por vezes criam situações humanas que são semelhantes à amizade. E as pessoas também fogem da solidão, entrando em todo o tipo de intimidades de que, a maior parte das vezes, se arrependem, mas durante algum tempo podem estar convencidas de que essa intimidade é uma espécie de amizade.' 
'Só a verdade é que pode dar a resposta.' 
'Achas? (…) As palavras não têm importância? Não me atrevia a afirmar isso com tanta certeza. Às vezes penso que as palavras, que uma pessoa pronuncia, ou oculta, ou simplesmente escreve no momento preciso, têm uma grande importância, talvez decisiva… Sim, acredito nisso.' 
'Quem és tu?... Que querias realmente?... Que sabias realmente?... A que foste fiel ou infiel?... A quê ou a quem mostraste ser corajoso ou cobarde?... São essas as perguntas. E uma pessoa responde como pode, duma maneira sincera ou mentindo; mas isso não tem grande importância. O importante é que no fim, uma pessoa responde com toda a sua vida.' 
'Evidentemente, nós somos ocidentais (…) Somos ocidentais, ou, pelo menos, aqui chegados e instalados. Para nós, matar é uma questão jurídica e moral ou do domínio médico, mas em todo o caso, é uma coisa permitida ou proibida, um fenómeno definido com a máxima precisão de um grande sistema jurídico e moral. Nós também matamos, mas de uma maneira mais complicada; matamos segundo a lei prescreve e permite. Matamos em defesa de ideais elevados e de bens humanos preciosos, matamos para salvaguardar a ordem da convivência humana, não podemos fazer de outra maneira. Somos cristãos, possuímos sentimento de culpa, temos sido educados na cultura ocidental. A nossa história, até ao presente, está cheia de uma série de massacres, mas falamos do matar baixando os olhos, num tom piedoso e repreensivo; não podemos fazer de outra maneira, esse é o nosso papel.' 
'Porque a paixão não argumenta com palavras da razão.'
 'Porque os corações humanos também têm as suas noites, cheios de emoções tão selvagens, como os impulsos da caça que assaltam o coração do veado ou do lobo. O sonho, o desejo, a vaidade, o egoísmo, a ira lasciva do macho, a inveja, a vingança, essas paixões ocultam-se de tal modo na noite da alma humana, como o puma, o abutre e o chacal no deserto da noite do Oriente.'
'Temos de suportar, o segredo é isso. Temos de suportar o nosso carácter, o nosso temperamento, já que os seus defeitos, egoísmo e avidez, não os mudam nem a experiência, nem a compreensão. Temos de superar que os nossos desejos não tenham plena repercussão no mundo. Temos de suportar que as pessoas que amamos, não nos amem, ou que não nos amem como gostaríamos. Temos de suportar a traição e a infidelidade, e o que é mais difícil entre todas as tarefas humanas, temos de suportar a superioridade moral ou intelectual de uma outra pessoa.' 
'Há pessoas de quem toda a gente gosta, para quem todos reservam um sorriso benévolo e carinhoso, e essas pessoas realmente têm algo de vanglorioso, algo de prostituta.' 
'Porque o momento em que se é mais culpado, não é necessariamente aquele em que se levanta a arma para matar alguém. A culpa existe antes, a culpa reside na intenção.'
'Porque  os deuses são invejosos, como se sabe, e quando oferecem um ano de felicidade a um mortal comum, anotam logo essa dívida e no fim da vida reclamam-na com juros de usura.'
'Paixões tão absurdas. Porém, vivem nos nossos corações. Então, porque devemos  esperar outra coisa do mundo, que está cheio de inconsciência e de cobiça, de paixões e de agressividade, onde jovens se alinham com baionetas contra jovens de outras nações, desconhecidos esfolam vivos outros desconhecidos, onde tudo o que era regra e acordo já não é válido, só as paixões vivem e ardem, com chamas que se elevam até ao céu?...'
'Uma pessoa compreende o mundo, pouco a pouco, e depois morre.'
'Pensas também que o significado da vida não seja outro senão a paixão, que um dia invade o nosso coração, a nossa alma e o nosso corpo, e depois arde para sempre, até à morte? (…) É assim tão profunda, tão maldosa, tão grandiosa e desumana a paixão?'

Sobre o Autor:
Sándor Márai nasceu em 1900, em Kassa, uma pequena cidade húngara que hoje pertence à Eslováquia. Passou um período de exílio voluntário na Alemanha e na França durante o regime de Horthy, nos anos 20, até que abandonou definitivamente o seu país em 1948, com a chegada do regime comunista, tendo emigrado para os Estados Unidos. 
A subsequente proibição da sua obra na Hungria fez cair no esquecimento quem nesse momento era considerado um dos escritores mais importantes da literatura centro-europeia. Foi preciso esperar várias décadas, até à queda do regime comunista, para que este extraordinário escritor fosse redescoberto no seu país e no mundo inteiro. Sándor Márai suicidou-se em 1989, em San Diego, na Califórnia, poucos meses antes da queda do muro de Berlim. 

Livros de Sándor Márai:
A Conversa de Bolzano - 2014 Dom Quixote
A Ilha - 2012 Dom Quixote 
Divórcio em Buda - 2010 Dom Quixote 
A Mulher Certa - 2009 Dom Quixote
Rebeldes - 2008 Dom Quixote
A Herança de Eszter - 2006 Dom Quixote
As Velas Ardem Até ao Fim - 2001 Dom Quixote


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