0 O Castelo | Opinião
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5 estrelas,
Franz Kafka,
Opinião
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O Castelo, surge, pois, como outra obra capital nessa totalidade que é este universo estranho e perturbador de que o genial escritor judeu-checo soube oferecer-nos uma imagem plena de rigor e de objetividade.
Como O Processo, esta edição portuguesa de O Castelo foi traduzida diretamente do alemão, e compreende passagens e fragmentos inéditos, além das páginas que Max Brod, amigo íntimo e biógrafo de Kafka, escreveu a propósito desta obra-prima das letras contemporâneas.
Autor: Franz Kafka
Editor: Livros do Brasil (2014)
Género: Romance
Páginas: 400
Original: Das Schloß (1926)
opinião
★★★★★
Já antes disse que ler Kafka é como regressar a casa - uma casa aparentemente caótica, é certo, mas cujo proprietário sabe a exacta localização de qualquer objecto que lá se encontre; uma casa em que, se nos deixarmos ficar por lá um bocadinho, acabamos por nos sentir muito confortáveis; uma casa cheia de objectos curiosos, cada um cheio de maravilhosas possibilidades.
Começo por 'avisar' que O Castelo não é uma leitura fácil. É triste, cansativo, melancólico, aborrecido, complexo, confuso, solitário, indefinível, furioso, frustrado.
É Kafka... e não é para o gosto de todos. É exigente, demanda o nosso empenho e concentração... e não está disposto a deixar-nos mesmo com o volver da última página.
Fica connosco.
Chegamos com K. ao local onde irá começar a trabalhar como agrimensor apenas para descobrir que afinal K. não tem colocação nenhuma. Apesar das suas tentativas, K. não consegue contornar a burocracia do Castelo, não percebe ao certo o seu funcionamento e os aldeãos não servem de grande ajuda - uns parecem querer controlar todos os seus passos, outros parecem conspirar para que não seja bem-sucedido e outros tratam-no apenas como um empecilho. Até os ajudantes que lhe são atribuídos são 'ridículos, pueris, distraídos, desenfreados' (151) 'no seu zelo sempre importuno' (85).
K. percebe vê-se então completamente desamparado no meio desta enorme aldrabice burocrática mas não desiste, o seu desejo de pertencer empurra-o para a frente, buscando sempre o Castelo. E cabamos por dar por nós, tal como ele, perdidos na narrativa, desesperados por tirar dela algum sentido, exasperados pelas reacções e infantilidade dos outros personagens. Sozinho, alienado e incompreendido, K. não consegue perceber esta gente que aceita sem questionar o totalitarismo do Castelo.
'Tudo é obscuro e insondável' (84), existe o 'significado oficial' e o 'significado particular'... e nenhum deles faz sentido. É dito do Castelo que não comete um único erro. A instrução diplomática é apanágio facial desta Castelo inatingível... E embora K. vá ficando a par destas máximas, não avança um único passo no seu objectivo; inevitavelmente, dá por ele a lutar 'por algo muito mas próximo, muito mais vivo. Por si mesmo.' (67)
O desafio em O Castelo é estar carregado de ideias, de temas, de duplos significados… e ao focarmo-nos num podemos acabar por deixar que outros nos passem ao lado. O próprio significado atribuído ao Castelo transforma completamente a narrativa, conforme olhemos para ele no sentido religioso, político, social ou existencial.
O que é certo é que não nos conseguimos alhear do Castelo; está em todo o lado, tudo vê e tudo julga. Interage e influencia de formas que não compreendemos completamente.
Talvez a compreensão de que não vamos conseguir chegar a Castelo nenhum nos permita apreciar melhor a viagem…
Não há certezas neste livro, nem mesmo em relação às intenções dos personagens nem à índole do seu carácter e ao tentarmos atribuir significado às suas acções acabamos ainda mais confusos, mas também mais embrenhados na leitura. O Castelo é tanto depressivo como cómico… dá vontade de gargalhar até que contextualizamos a piada nas nossas próprias existências, analisamo-la melhor, e percebemos que a piada somos nós!
Por estar inacabado, O Castelo é ainda mais perfeito, mais categórico. Estou satisfeita por ter lido antes O Processo e poder compará-los, na sua contraposição, à medida que lia O Castelo.
Adorei o livro, mas tenho sempre muitas reservas em recomendar Kafka a quem ainda não o leu; o que aconselho é que se conheçam antes como leitores, saibam de antemão os temas abordados pelo escritor e o turbilhão de ideias que consegue produzir… e se for o caso de vos parecer interessante: não hesitem.
E preparem-se pois estão prestes a descobrir um dos vossos escritores preferido.
★★★★★
Já antes disse que ler Kafka é como regressar a casa - uma casa aparentemente caótica, é certo, mas cujo proprietário sabe a exacta localização de qualquer objecto que lá se encontre; uma casa em que, se nos deixarmos ficar por lá um bocadinho, acabamos por nos sentir muito confortáveis; uma casa cheia de objectos curiosos, cada um cheio de maravilhosas possibilidades.
Começo por 'avisar' que O Castelo não é uma leitura fácil. É triste, cansativo, melancólico, aborrecido, complexo, confuso, solitário, indefinível, furioso, frustrado.
É Kafka... e não é para o gosto de todos. É exigente, demanda o nosso empenho e concentração... e não está disposto a deixar-nos mesmo com o volver da última página.
Fica connosco.
Chegamos com K. ao local onde irá começar a trabalhar como agrimensor apenas para descobrir que afinal K. não tem colocação nenhuma. Apesar das suas tentativas, K. não consegue contornar a burocracia do Castelo, não percebe ao certo o seu funcionamento e os aldeãos não servem de grande ajuda - uns parecem querer controlar todos os seus passos, outros parecem conspirar para que não seja bem-sucedido e outros tratam-no apenas como um empecilho. Até os ajudantes que lhe são atribuídos são 'ridículos, pueris, distraídos, desenfreados' (151) 'no seu zelo sempre importuno' (85).
K. percebe vê-se então completamente desamparado no meio desta enorme aldrabice burocrática mas não desiste, o seu desejo de pertencer empurra-o para a frente, buscando sempre o Castelo. E cabamos por dar por nós, tal como ele, perdidos na narrativa, desesperados por tirar dela algum sentido, exasperados pelas reacções e infantilidade dos outros personagens. Sozinho, alienado e incompreendido, K. não consegue perceber esta gente que aceita sem questionar o totalitarismo do Castelo.
'Tudo é obscuro e insondável' (84), existe o 'significado oficial' e o 'significado particular'... e nenhum deles faz sentido. É dito do Castelo que não comete um único erro. A instrução diplomática é apanágio facial desta Castelo inatingível... E embora K. vá ficando a par destas máximas, não avança um único passo no seu objectivo; inevitavelmente, dá por ele a lutar 'por algo muito mas próximo, muito mais vivo. Por si mesmo.' (67)
O desafio em O Castelo é estar carregado de ideias, de temas, de duplos significados… e ao focarmo-nos num podemos acabar por deixar que outros nos passem ao lado. O próprio significado atribuído ao Castelo transforma completamente a narrativa, conforme olhemos para ele no sentido religioso, político, social ou existencial.
O que é certo é que não nos conseguimos alhear do Castelo; está em todo o lado, tudo vê e tudo julga. Interage e influencia de formas que não compreendemos completamente.
Talvez a compreensão de que não vamos conseguir chegar a Castelo nenhum nos permita apreciar melhor a viagem…
Não há certezas neste livro, nem mesmo em relação às intenções dos personagens nem à índole do seu carácter e ao tentarmos atribuir significado às suas acções acabamos ainda mais confusos, mas também mais embrenhados na leitura. O Castelo é tanto depressivo como cómico… dá vontade de gargalhar até que contextualizamos a piada nas nossas próprias existências, analisamo-la melhor, e percebemos que a piada somos nós!
Por estar inacabado, O Castelo é ainda mais perfeito, mais categórico. Estou satisfeita por ter lido antes O Processo e poder compará-los, na sua contraposição, à medida que lia O Castelo.
Adorei o livro, mas tenho sempre muitas reservas em recomendar Kafka a quem ainda não o leu; o que aconselho é que se conheçam antes como leitores, saibam de antemão os temas abordados pelo escritor e o turbilhão de ideias que consegue produzir… e se for o caso de vos parecer interessante: não hesitem.
E preparem-se pois estão prestes a descobrir um dos vossos escritores preferido.
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