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0 O Cemitério de Praga - Opinião


O Cemitério de Praga
Durante o século XIX, entre Turim, Palermo e Paris, encontramos uma satanista histérica, um abade que morre duas vezes, alguns cadáveres num esgoto parisiense, um garibaldino que se chamava Ippolito Nievo, desaparecido no mar nas proximidades do Stromboli, o falso bordereau de Dreyfus para a embaixada alemã, a disseminação gradual daquela falsificação conhecida como Os Protocolos dos Sábios de Sião (que inspirará a Hitler os campos de extermínio), jesuítas que tramam contra maçons, maçons, carbonários e mazzinianos que estrangulam padres com as suas próprias tripas, um Garibaldi artrítico com as pernas tortas, os planos dos serviços secretos piemonteses, franceses, prussianos e russos, os massacres numa Paris da Comuna em que se comem os ratos, golpes de punhal, horrendas e fétidas reuniões por parte de criminosos que entre os vapores do absinto planeiam explosões e revoltas de rua, barbas falsas, falsos notários, testamentos enganosos, irmandades diabólicas e missas negras. Óptimo material para um romance-folhetim de estilo oitocentista, para mais, ilustrado com os feuilletons daquela época. Há aqui do que contentar o pior dos leitores. Salvo um pormenor. Excepto o protagonista, todos os outros personagens deste romance existiram realmente e fizeram aquilo que fizeram. E até o protagonista faz coisas que foram verdadeiramente feitas, salvo que faz muitas que provavelmente tiveram autores diferentes. Mas quando alguém se movimenta entre serviços secretos, agentes duplos, oficiais traidores e eclesiásticos pecadores, tudo pode acontecer. Até o único personagem inventado desta história ser o mais verdadeiro de todos, e se assemelhar muitíssimo a outros que estão ainda entre nós. Um romance fantástico, de um autor que uma vez mais mostra saber como nenhum outro combinar erudição, humor e reflexão.

Autor: Umberto Eco
EditorGradiva Publicações (2011)
Género: Romance 
Páginas: 572


A Minha Opinião

O Cemitério de Praga é uma obra de ficção, mas retrata uma verdade tão sórdida e vil que o livro estava, à partida, fadado a ser maravilhoso.

Neste livro, Umberto Eco dispôs-se a ficcionar, de forma bastante pretensiosa, a estranha e labiríntica origem dos «Protocolos dos Sábios de Sião», um documento engendrado em finais do século XIX, que relata um suposto encontro secreto entre líderes judeus que conspiravam dominar o mundo, quebrando para tal a moral e política do povo ateu.

Posto assim, parece simples, mas Eco criou um enredo tão intrincado e complexo que torna a entrada na história bastante demorada e, em partes, difícil. Temos chantagem ao mais alto nível, diversas entidades com diversos objectivos, plágio sobre plágio…sobre plágio, logros e embustes que advém das mais mirabolantes maquinações e conspirações, desenvolvidas ora por agentes secretos ora por puros criminosos.  Temos maçons, jesuítas, judeus, ocultismo.... E, no meio disto tudo, temos Simone Simonini - um dos protagonistas mais cínicos e maliciosos que me deu a conhecer a literatura.

Chegamos a Simonini numa altura em que o próprio não sabe quem é: um falsificador de documentos profissional ou um eclesiástico?! Nestes termos, inicia um diário que se vai tornando num intercâmbio de mensagens, entre ele e…ele próprio, levando-nos a alternar constantemente entre o passado e o presente, motivo que torna a história, por vezes, difícil de acompanhar.

Simonini pensa apenas no lucro (e, bem, em comida…) que poderá obter com a venda de falsos documentos aos mais diversos compradores, por vezes antagonistas, mesmo que o objectivo desses textos seja incitar uma revolta injusta contra determinados grupos políticos ou religiosos. Isso leva-o a fazer as coisas mais sórdidas para chegar onde quer - o próprio se esconde diversas, aliás, demasiadas, vezes por detrás da máxima de que «os fins justificam os meios»!

Infelizmente, mesmo com todos estes inconstantes e caprichosos componentes, a leitura de O Cemitério de Praga pode tornar-se ligeiramente aborrecida graças essencialmente à sua lentidão de desenvolvimento, complexidade de escrita, quantidade de menções a figuras/acontecimentos verídicos e intensidade de detalhes.  Avançamos e recuamos confusamente numa história demasiado complexa para ser lida distraidamente com objectivo recreativo. Mas muito compensatória se lhe cedermos mais da nossa atenção.

Ignorando as partes mais cansativas, gostei imenso de ler O Cemitério de Praga. Seja pela escrita intrincada e áspera ou pelo sentido de humor ignóbil que exsuda furtivamente do texto, Umberto Eco captou a minha atenção para o seu trabalho. 

Frases Preferidas:
«A civilização não chegará à perfeição enquanto a última pedra da última igreja não tiver caído sobre o último padre, e a Terra tiver sido libertada daquela escória.»

«Os homens nunca praticam o mal tão completa e entusiasticamente como quando o fazem por convicção religiosa.»

«Odeio as mulheres, pelo pouco que sei delas»

«O homem, abandonado a si próprio, é demasiado ruim para ser livre.»

«Lembrei-me de uma das muitas lendas que lhe dizem respeito: um peralvilho, em Paris, tinha feito maliciosamente referência, na sua presença, àquelas teorias muito actuais que viam uma ligação entre o homem primitivo e espécies inferiores. E ele tinha respondido: «Sim, senhor, eu descendo do macaco. Mas vós, senhor, vós remontais a ele!»»

«(...) a seu modo, são romancistas como Dumas, embelezam as suas recordações e uma galinha transforma-se numa águia.»

«Sou assim, e estou condenado a sê-lo. Serei sempre quimérico, sombrio, tenebroso, bilioso. Tenho agora trinta anos e fiz sempre a guerra, para me destruir de um mundo que não amo. (...) Nada. Conservo-me rapaz, vivo o dia-a-dia, amo o moveimnto para me mexer, o ar para respirá-lo. Morrerei por morrer. E tudo acabará.»

«E lamentava de verdade, mas também é preciso fazer da necessidade virtude.»

«Às vezes, também nas antigas histórias, a diferença entre uma fada e uma bruxa é apenas de idade e beleza.»

«Faz falta sempre alguém a quem odiar para nos sentirmos justificados na própria miséria. O ódio é a verdadeira paixão primordial. É o amor que é uma situação anómala. (...) Não se ama alguém para toda a vida; dessa esperança impossível nascem o adultério, o matricídio, a traição do amigo...Pelo contrário, pode-se odiar alguém durante toda a vida. Desde que esteja sempre lá, para reacender o nosso ódio. O ódio aquece o coração.»

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