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0 Em Tudo Havia Beleza | Opinião


Wook.pt - Em Tudo Havia BelezaImpelido por esta convicção, Manuel Vilas compõe, com uma voz corajosa, desencantada, poética, o relato íntimo de uma vida e de um país. Simultaneamente filho e pai, autor e narrador, Vilas escava no passado, procurando recompor as peças, lutando para fazer presente quem já não está. Porque os laços com a família, com os que amamos, mesmo que distantes ou ausentes, são o que nos sustém, o que nos define. São esses mesmos laços que nos permitem ver, à distância do tempo, que a beleza está nos mais simples gestos quotidianos, no afecto contido, inconfessado, e até nas palavras não ditas.

Falando desde as entranhas, Vilas revela a comovente debilidade humana, ao mesmo tempo que ilumina a força única da nossa condição, a inexaurível capacidade de nos levantarmos de novo e seguirmos em frente, mesmo quando não parece possível. É desenhando um caminho de regresso aos que amamos que o amor pode salvar-nos.

Confessional, provocador, comovente, Em tudo havia beleza é uma admirável peça de literatura, em que se entrelaçam destino pessoal e colectivo, romance e autobiografia. Manuel Vilas criou um relato íntimo de perda e vida, de luto e dor, de afecto e pudor, único na sua capacidade de comover o leitor, de fazer da sua história a história de todos nós.


Autor: Manuel Vilas
Editor: Alfaguara Portugal (Fevereiro, 2019)
Género: Romance
Páginas: 400
Original: Ordesa (2018) 

opinião
★★★★☆
Em tudo havia beleza [Ordesa]Em tudo havia beleza [Ordesa] by Manuel Vilas
My rating: 4 of 5 stars

A esperança de voltar a ver-vos, papá, mamã.
Sou apenas isso: esperança de voltar a ver-vos.


Tenho sentimentos mistos em relação a Em Tudo Havia Beleza; no final, acabei com um livro bastante sublinhado, cheio de frases que adorei, fonte de imensa e profunda reflexão, mas que na verdade pouco prazer me deu ler e que pouco me entusiasmou no processo.

Facilmente nos identificamos com os temas explorados neste livro – as perdas que sofremos ao longo da nossa vida, o inevitável fim e o triste envelhecimento que lhe precede – mas o modo desordenado como o autor partilha estas ideias e a frequência com que as repete, bem como a ausência de uma história propriamente dita, pode aborrecer-nos de morte.

Em suma, gostei do livro, de toda a sua melancolia e tristeza, de toda a sua sabedoria, de toda e cada frase preciosa, construída em moldes de perfeição, mas passei momentos muito maçadores na sua companhia.
Era o paraíso. Foi o meu paraíso. Foram eles o meu paraíso, o meu pai e a minha mãe, como gostei deles, como fomos felizes e como nos desmoronámos. Que bela foi a nossa vida em conjunto, e tudo está perdido agora. E parece impossível – 235

Frases Preferidas:
Somos todos pobre gente, metidos no túnel da existência – 12

Por muito mal que nos corra a vida, há sempre alguém que nos inveja. É uma espécie de sarcasmo cósmico – 14

Os bancos arrasam-nos a caixa de correio com cartas deprimentes. Uma série de extractos bancários. Vêm dizer-nos o que somos – 15

A vida de um homem é, na sua essência, a tentativa de não cair na ruina económica. (…) Ninguém sabe se é possível viver sem ser socialmente. A estima dos outros acaba por ser a única cédula da nossa existência – 16

Quando o nosso passado se apaga da face da Terra, apaga-se o universo, e tudo é indignidade. Não há nada mais indigno que o cinzentismo da existência. Abolir o passado é abjecto. A morte dos nossos pais é abjecta. É uma declaração de guerra que a realidade nos faz – 31

Somos vulgares, e quem não reconhecer a sua vulgaridade é ainda mais vulgar.  O reconhecimento da vulgaridade é o primeiro gesto de emancipação rumo ao extraordinário – 35

(…) e o demónio não é senão uma degeneração neuronal hereditária que afecta o nervo óptico e se transforma em vagas de conexões químicas apagadas ou titubeantes, e nessa deterioração elétrica da transmissão da realidade incubam as bactérias da psicose, e a forma orgânica da vontade vai apodrecendo numa massa de ordens alheias ao mundo social e vou-me transformando num museu de secura, de solidão, de suicídio, de surdez e de sofrimento – 60

O problema do Mal é que nos transforma em culpados ao tocar-nos. É esse o grande mistério do Mal: as vítimas acabam sempre culpadas de algo cujo nome é outra vez o Mal. As vítimas são sempre excrementícias. As pessoas simulam uma compaixão pelas vítimas, mas no seu interior só há desprezo – 70

Porque a literatura é matéria, como tudo. A literatura são palavras gravadas num papel. É esforço físico. É suor. Não é espírito. Já basta de menosprezar a matéria – 72

Toda a historia ocidental frequenta o idealismo, ninguém parou para olhar para as coisas de outra maneira; especialmente da maneira mais simples, a que se lembra da matérias, e das vãs realidades – 72

Quando a vida nos deixa ver o casamento do terror com a alegria, estamos prontos para a plenitude – 75

O passado tem cada vez menos prestígio – 210

Porque a condenação é o resultado de qualquer julgamento que se preze. A absolvição é insubstancial e esquecível. Só recordamos as condenações. A absolvição não tem memória, os seres humanos são assim – 224

Era o paraíso. Foi o meu paraíso. Foram eles o meu paraíso, o meu pai e a minha mãe, como gostei deles, como fomos felizes e como nos desmoronámos. Que bela foi a nossa vida em conjunto, e tudo está perdido agora. E parece impossível – 235

Todos caímos na armadilha do dinheiro. E todos acabamos por ver o dinheiro como a forma final, e justa, de medir as coisas. É como o passo definitivo rumo à objectividade. O dinheiro vem de uma ansia de objectividade. Ânsia de inapelável. O dinheiro é a firmeza: perdê-lo enlouquece-nos; não o ganhar transforma-nos em deficientes mentais, em tarados; o dinheiro é a veracidade suprema, e isso é um espectáculo, é onde a nossa espécie consegue a sua maior densidade, a sua gravidade – 251

Porque as angústia tem as caras mais estranhas do mundo – 296


Chega-se à indiferença por via da dor, da vacuidade, da falta de gravidade – 304


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